A banalização do marketing enquanto profissão
- Mónica Almeida
- 24 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de out. de 2024

Uma habilidade de adaptação ou uma questão de sobrevivência?
O que é o marketing senão um dos mais gloriosos e incompreendidos ofícios do nosso tempo? No entanto, para muitos o marketing é apenas um sinónimo pomposo para “decoração” ou “publicidade”. E não é de se estranhar, vivendo numa sociedade, onde todos: do porteiro ao presidente, auto-proclama-se especialistas de marketing.
Imaginem a Maria, directora de marketing de uma respeitável empresa. Ah, Maria! Mulher de fibra, mas infelizmente vítima do maior equívoco sobre a sua profissão. Para os colegas de trabalho, Maria é aquela que organiza as festas corporativas, escolhe a cor dos panfletos e aprova os slogans que farão os clientes rirem (ou bocejarem). Pouca gente sabe - ou quer saber - que Maria deveria estar a gerir budgets, planear estratégias a longo prazo e coordenar uma miríade de iniciativas que incluem desde o estudo de mercado à análise de dados.
Certamente, qualquer entendedor de marketing diria com ar blasé: “Marketing é coisa de mulher. “ E que mal há nisso? Sim, mulheres são notoriamente eficientes em comunicação. Porém, relegar o ofício ao mundo dos babados e glossários de moda é um desserviço. O que Maria realmente faz? Ah, decerto, ela comunica, mas é uma comunicação unilateral, puramente decorativa e frequentemente repleta de desconhecimento estratégico. A maior ironia? Maria é apenas um exemplo figurado. Histórias assim multiplicam-se em cada esquina do Patriota, Talatona ou baixa de Luanda, onde directoras de marketing são mais decoradoras de montras digitais do que estrategas de mercado.
E assim seguimos, numa sociedade onde a inovação é sinónimo de complicação. Pobre do criativo que tenta fazer o simples! Ao invés de simplicidade, criam-se camadas e camadas de complexidade inútil, tudo para parecer “inovador”. Nada é mais angolano do tornar a caça ao porco, algo tão complexo, como se de “leitão à bairrada” se tratasse, quando o solicitado foi apenas um punhado de torresmos.
Voltando à Maria, certos dias ela até ri-se de tudo isto. No entanto, essas risadas são uma capa, pois só ela sabe o esforço hercúleo que é nada contra esta corrente. Maria não é a típica figura de marketing que todos desenham nas suas mentes limitadas. Ela tem visão, mas a sua visão é obscurecida pelo véu da ignorância generalizada que cerca a sua função.
Quantos de nós já nos deparamos com aquele colega que, após assistir a um vídeo do Youtube sobre “10 dicas de marketing” se proclama mestre no assunto? Ou aquela pessoa que acha que marketing é só sobre ter muitos seguidores no instagram? Essas percepções reducionistas não fazem justiça à complexidade e à importância real do marketing.
Enquanto isso, em engenharia, ninguém ousa opinar sobre um cabedal de estudos e experiência, porque sabemos que um pilar mal colocado é a ruína certa.
E para as Marias e todos os profissionais de marketing que lutam para provar o seu valor num mundo que só vê decoração, ficam as minhas sinceras reverências. O trabalho é muito mais do que escolha de cores e palavras bonitas. É arquitectura das marcas, é ciência de consumo, é tudo aquilo que muitos não vêem ou não querem ver.
O que se espera dessa sociedade tão entendida e pouco criativa? Ao menos, que comece a valorizar o verdadeiro marketing. É preciso reconhecer o estratégico por trás do estético, o planeado por detrás do imediato. Só assim, talvez as Mari-as deixarão de ser decoradoras de fachadas para serem engenheiras das marcas, com todo o respeito e reconhecimento que merecem.
Ah, ironia! Onde estaria, sem ti, essa sociedade? Onde estaria a criatividade angolana sem o seu amor eterno por complicar o que é simples? Só o tempo dirá. Mas até lá um brinde à Maria e a todos os que se esforçam para que o marketing seja finalmente reconhecido pelo que realmente é. E deixar de estar sobre a alçada de Chief Comercial Officer que mais vendem blá blá blá e unicórnios impossíveis de anchar nos livros de lindas Rainhas Njingas.
Até já!
M.
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